sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Igual

 


Tudo começa com o mecânico gesto de desligar o aviso sonoro do telemóvel. São horas a mais durante o dia. Segue o assentar dos pés no chão, a constatação de que se respira, e os lembretes para fugir de vícios que matam. Um copo de água e todas as rotinas da higiene. O relembrar dos temas importantes do dia, o olhar baixo porque falta algo, o conforto da água quente na pele e mente secas. A vida a rodar, um fiar constante e igual, a realidade que se vive como se fosse outra dimensão, o déjà vu de quem não vive.

O triste constatar, estás vivo mas não vives. A vontade de chorar, o aperto no peito. A redundância de tudo. Aqui chegaste, respiras apenas, uma vida cheia de nada, vazia de tudo. Flash rápido. É tudo um truque do teu cérebro. Não, é oficial, respiras mas estás morto. Pior que veres a cru a normalidade da tua vida, é a dor de nada fazeres. Ó dia, foge, deita-te na noite, vai. E choras, só, ao espelho do carro, onde passa o nada dos anos para trás.

Os poetas estão mortos. Sim, já ninguém os lê. Ler? Ninguém lê ó estúpido, é tudo imagem, em barda, muita e feroz. Os olhos abertos que nada vêem. Cegos pelo excesso, abertos a todo o inútil. Os poetas estão mortos.

Ninguém te ama como eu.
Ninguém te ama como eu.

Finalmente a amiga noite. Dorme. Não tarda o gesto mecânico. Outro dia igual, para ti morto que respiras e cego de olhos abertos.

No final a maioria acha que viveu.

Deixar de ser normal, para ser feliz?

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